Venezuela no Mercosul, Brasil na retórica

01/01/2008 0 Por Rodrigo Cintra
A Venezuela de Chavez, de uma forma um tanto quanto caricata, alcançou mídia e passou a existir no imaginário brasileiro e até talvez mundial.  De repente, a opinião pública brasileira se viu apresentada a Venezuelas, Bolívias e Equadores, países vizinhos que nunca foram importantes mas que ganham espaço de atuação. E isso tudo reacendeu a discussão sobre a liderança na América Latina.

A Venezuela de Chavez, de uma forma um tanto quanto caricata, alcançou mídia e passou a existir no imaginário brasileiro e até talvez mundial.  De repente, a opinião pública brasileira se viu apresentada a Venezuelas, Bolívias e Equadores, países vizinhos que nunca foram importantes mas que ganham espaço de atuação. E isso tudo reacendeu a discussão sobre a liderança na América Latina.

De um lado, no Brasil havia a certeza de que o país era não só o porta-voz como também o líder natural da região, como se pode comprovar com a candidatura a uma pretensa vaga no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Por outro lado, a evolução dos fatos na América Latina estão apresetando uma região menos homogênea do que até então se supunha.

Os brasileiros não se sentem parte da América Latina, buscando distanciar-se das principais características que marcam a região, tanto em termos éticos quanto estáticos. Por outro lado, e talvez até mesmo em função de sensação envergonhada de superioridade, essa distância era percebida como um “destino manifesto” na América Latina. Caberia (e, na cabeça das tradicionais elites, ainda cabe) ao Brasil assumir a liderança e levar a modernização ao resto da região.

O interessante aqui é notar a distância que existe entre o posicionamento da diplomacia brasileira e aquele defendido pela lógica da política em seu cotidiano. Isso pode ser particularmente visto no caso do pedido da Venezuela para sua integração plena no Mercosul. O acompanhamento dos debates recentes mostra que a temática não é tratada em si mesma, nem pelos diplomatas, nem pelos políticos. Enquanto os primeiros se ocupam mais com um já vazio discurso de cooperação no sub-sistema sul-americano, os segundos não escondem suas “segundas intenções” com relação à aprovação.

Esse cenário de posicionamentos retóricos ganha em interesse quando se tem em mente que pouco tem sido dito sobre a natureza primeira do Mercosul (integração econômica) e sobre a evolução do comércio bilateral entre Brasil e Venezuela, que cresceu 265% entre 2003 e 2005, alcançando um superávit comercial a favor do brasil da ordem de R$ 3 bilhões.

 

O toma-lá-da-ca da política brasileira

Dentro do Brasil o tratamento político da entrada da Venezuela no Mercosul segue os tradicionais caminhos das trocas de favores políticos, sem um posicionamento mais coerente com relação à entrada propriamente dita. Em novembro, momento em que a entrada da Venezuela estava sob análise e votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, pôde-se perceber facilmente que se tratava de um debate governo versus oposição. Com exceção de um deputado (Nelson Trad  do PMDB-MS), todos os demais governistas votaram a favor da entrada, enquanto todos os opisicionistas foram contrários.

Não bastando uma leitura mais focada em política doméstica do que no posicionamento do país na América Latina, também houve uma explícita troca de favores políticos para garantir uma maior adesão por parte do PMDB, partido governista eternamente descontrolado e de fidelidade política duvidosa. As negociações entre o governo e o PMDB envolveram a promessa de diretorias na estatal Petrobrás em troca do apoio – diretorias essas, aliás, que somente seriam entregues depois da total aprovação da matéria, conforme adiantou fonte ligada ao Executivo.

 

O Cavalo de Tróia da oposição

A oposição, buscando sustentar sua posição contrária à entrada da Venezuela no Mercosul, busca explorar o viés anti-chavista da opinião pública brasileira. Para tanto, tem conduzido suas críticas ao estilo de governar de Chavez.

Segundo alguns oposicionistas, a participação da Venezuela no Mercosul pode trazer instabilidades no processo de integração em função das posições adotadas pelo presidente Chavez.

Um dos pontos centrais do Mercosul é a idéia de que apenas nações democráticas podem tomar parte no bloco. O Protocolo de Ushuaia, assinado em 1998, tornou-se parte integrante dos acordos do Mercosul, e logo no seu primeiro artigo declara-se que "a plena vigência das instituições democráticas é condição essencial para o desenvolvimento dos processos de integração entre os Estados Partes do presente Protocolo". Com isso, a oposição levanta um importante ponto da agenda latino-americana, mas nos fóruns e pelas razões erradas. Dessa forma, a democracia novamente ganhará fama como um tema importante para a realidade atual dos povos da região, sem que qualquer discussão de forma seja aprofundada.

Os governistas, por outro lado, apenas tentam desqualificar a discussão. O Ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao ser questionado sobre a real existência de democracia na Venezuela, disse que “essa é uma questão de difícil elucidação. Cada um tem opiniões distintas em relação a isso. O fato é que é bem-vinda a entrada da Venezuela no Mercosul”.Já o Ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, disse que não cabe ao governo brasileiro decidir se a Venezuela de Chavez é ou não democrática. O Ministro das Relações Exteriores, reproduzindo a tradicional visão da diplomacia brasileira e seu sebastianismo, defendeu que a entrada será positiva “porque o convívio com as democracias do Mercosul ajudará consolidar ainda mais o esforço democrático da Venezuela”.

Dessa forma, mais uma vez foi perdida uma boa oportunidade para os países da América Latina confrontarem seus projetos políticos e solidificarmos tendências capazes de unir a região em termos de macro-atuação política. O recesso parlamentar brasileiro vai esfriar as discussões em torno da Venezuela, de forma que a questão continuará a correr por seu curso normal. Logo a Venezuela entrará no Mercosul, Chavez continuará com seus discursos tacanhas e caricatos e Lula continuará a defender a irmandade latino-americana.

Fonte: http://revistaautor.com/index.php?option=com_content&task=view&id=54&Itemid=48