A busca da Nova Ordem Mundial

26/10/2005 0 Por Rodrigo Cintra
A II Guerra do Iraque ainda apresenta seus vestígios entre as nações, no entanto vários analistas de relações internacionais já apresentam conclusões sérias sobre seus impactos na ordem mundial. Por enquanto evitam falar de uma Nova Ordem Mundial uma vez que isso poderia remeter os mais desavisados aos tempos de Bush pai ou mesmo às análises publicadas naquela época e que se mostraram totalmente infundadas alguns anos depois.

A Escola Francesa das Relações Internacionais nos ensina a buscar momentos fundantes para explicar os parâmetros do sistema internacional, encontrá-los é fundamental para que possamos expor com maior clareza as macro-tendências internacionais, de forma a potencializarmos a busca de nossos interesses. Entretanto, a ânsia por sua identificação pode alterar significativamente a concentração do analista, bem como viciar parte de sua estrutura conceitual.
Desde o fim da Guerra Fria o sistema internacional não conseguiu expressar claramente seus princípios gerais e limites. Até o momento, o que se sabe com certeza é que não encontramos a mesma estrutura antes encontrada, qual seja, as nações divididas em três grupos: comunistas, capitalistas e não-alinhados. Como apenas os dois primeiros tinham como membros grandes potências com poder nuclear e disposição para expandir sua concepção de mundo para as demais regiões, consensuou-se chamar aquela estrutura de bipolar.
Hoje, diante da dificuldade de encontrarmos os novos padrões sistêmicos tendemos a usar como base analítica o mesmo modelo metodológico daquele tempo. Assim, os analistas continuam a pensar em termos de pólos de poder. As análises dispersam-se numa grande gama de variedades, passando do unipolarismo absoluto da superpotência Estados Unidos ao condomínio de grandes potências, do unimultipolarismo ao multipolarismo setorial.
O resultado disto tudo é uma grande quantidade de análises que em pouco ajudam a entender a realidade internacional contemporânea, seja pela total inutilidade de alguns conceitos (como é o caso do unimultipolarismo de Huntington) como pela falta de capacidade de articulação entre as diversas variáveis (como é o caso do multipolarismo setorial).
Quando somamos tudo isso – o peso da herança analítica da Guerra Fira e a confusão “teórica” contemporânea – temos por resultado uma certa desorientação intelectual. Desta forma, o que se vê são analistas buscando identificar a grande luz que nos ajudará a sair da caverna e evitar a confusão das sombras.

Assim como qualquer outro grande acontecimento que tivemos desde o fim da Guerra Fria – I Guerra do Iraque,  intervenção na Bósnia, ataques do 11 de setembro e, agora, II Guerra do Iraque – o que vemos acontecer agora é a identificação da Nova Doutrina de Segurança Nacional como a idéia central que referenciará todas as questões internacionais.

Se voltarmos para as discussões que antecederam a II Guerra do Iraque, veremos apaixonados analistas colocarem-se favoráveis a um dos lados. Uns diziam que a guerra (neste caso intervenção) seria justificável na medida em que reafirmava alguns limites do sistema internacional, eliminando o crescente e perigoso idealismo; de outro lado, havia os analistas que se colocavam contrários à guerra (neste caso invasão) que romperia com as regras e normas internacionais conquistadas com muito esforço e esmero, abrindo as portas para a volta do perigoso realismo.

Uma vez terminada a fase de confronto direto entre Estados Unidos e Iraque, a discussão da guerra perde seu espaço na mídia e já não produz as impactantes fotos e histórias de seu começo. E, o que é pior, aqueles países que se colocaram contrários à forma de condução da guerra, agora já amenizaram seus discursos e começaram a procurar formas de também participarem da divisão dos espólios da guerra.
Esse quase desinteresse dos executores da política internacional pela pretensa cisão do sistema internacional ocasionada pela guerra enfraqueceu tal linha analítica, deixando-nos mais uma vez órfãos de referenciais analíticos. Assim sendo, buscou-se na Nova Doutrina de Segurança Nacional (talvez o mais importante acontecimento que ainda parece apresentar reais impactos nas relações internacionais), colocando o 11 de setembro novamente em moda.
Um primeiro cuidado que devemos tomar com relação a isto é que tal forma analítica carrega em si algumas premissas ainda não necessariamente provadas. Entre elas encontra-se a inquestionável centralidade dos Estados Unidos no sistema internacional, que determinaria uma estrutura altamente dependente dos movimentos da única superpotência. Estudos sobre interdependência apontam para uma relação em duas vias, ainda que uma delas encontre um movimento maior do que a outra. Desta forma, devemos antes no perguntar qual é a real disparidade de poder entre as potências e, sobretudo, se essa disparidade é mantida graças ao esforço exclusivo da superpotência ou se é baseada no próprio sistema internacional, ou seja, se foge em alguma medida ao controle direto e mecânico da superpotência.
Outra premissa que é encontrada na maioria das análises é a idéia de que existe uma ordem no sistema internacional ou que pelo menos este sistema sempre tende a encontrar ordem. Os estudos sobre regionalização e globalização podem indicar o surgimento de um novo formato sistêmico no qual existirão várias ordens regionais que se relacionarão entre si, contudo isso não significa que esse relacionamento inter-regional será padronizado nem estável. Talvez polaridades não sejam mais conceitos suficientes para analisarmos as relações internacionais contemporâneas, e devemos substituí-la por multi-ordenamento internacional.
Uma última idéia que deve permanecer em nossas análises é o eterno questionamento sobre a escolha do momento fundante. Talvez não o tenhamos encontrado porque ele ainda não ocorreu. Por vezes a vontade de ser o anunciante da boa-nova faz com que declaremos na véspera do anúncio os impactos que dele advirão, sem nos ocuparmos com a necessária e honesta revisão das previsões. Para não confirmarmos erros analíticos, tendemos a confirmá-los, sob pena de aumentar ainda mais a atual confusão analítica. Certamente que todos os esforços intelectuais destinados a ajudar-nos a melhor entender o mundo em que vivemos são válidos e louváveis, porém, agora mais do que nunca, honestidade intelectual e rigor analítico são qualidades fundamentais.
São Paulo, 07 de junho de 2003