Sociedade dos poetas móveis

29/09/2005 0 Por Rodrigo Cintra
Cresce o interesse pelo recente serviço de troca de poesias pelo celular, mais um caso bem-sucedido de integração entre literatura e tecnologia

Já havia se tornado um hábito. Toda vez que o analista de Relações Internacionais Rodrigo Cintra, de 28 anos, encontrava a tia, as conversas, inevitavelmente, descambavam para discussões sobre literatura ou comentários sobre um novo conto. Assim transcorriam esses animados encontros, até Cintra iniciar doutorado em Brasília, há coisa de um ano. Resultado: ponte aérea, tempo curto e uma longa lista de livros técnicos para colocar em dia. "Minha tia reclamou, dizendo que não tínhamos mais tempo para discutir literatura", conta o analista.

Ela, no entanto, não ficou de braços cruzados. Soube de um projeto chamado Celuler – um serviço de recebimento de textos de autores nacionais e internacionais em celular – e deu um jeito de essa história cair nos ouvidos do sobrinho. Cintra quis se informar mais sobre o assunto. Foi ao site do projeto, o www.celuler.com.br, gostou da proposta, escolheu um autor de seu agrado e passou a receber a obra dele, todo santo dia, no celular. No momento em que um novo texto desponta no visor, ele sabe que é hora de fazer uma pequena pausa no trabalho, ler, relaxar e refletir. "Literatura não é ler e depois guardar o livro: é para guardar para a vida", diz. Ele pôde ainda retomar o velho hábito. "Agora, quando gosto de um texto, repasso para minha tia com um comentário."

Sem grande divulgação, o projeto Celuler está há um mês ganhando adeptos na base do boca a boca, como foi o caso de Rodrigo Cintra. Atualmente, conta com cerca 220 celulares cadastrados, mas a meta é atingir a marca dos 3.500 até fevereiro, adianta seu idealizador Luiz Mendonça, dono de uma empresa de telecomunicações responsável pelo desenvolvimento e administração do projeto. "A idéia é formar leitores, as pessoas que lêem sabem que o gosto vem do hábito", comenta Mendonça. "Além disso, para o autor publicar um livro é caro, demorado e, como no projeto ele está comprometido a escrever, acaba formando uma obra e pode reuni-la em livro. Outro objetivo nosso é dar apoio a novos autores."

Para contratar o serviço, o interessado deve acessar o site Celuler, onde encontra outras informações e pode ainda fazer uma degustação de textos dos autores contemporâneos que já fazem parte do projeto. São nomes como Aila Magalhães, Alice Ruiz, Beto Quelhas, Débora Novaes de Castro, Domingos Pellegrini Jr., Eliana Mora, Goulart Gomes, José Juan Tablada, Lilian Maial, Miguel Sanches Neto, Paulo Franchetti, Renato Negrão, Ricardo Silvestrin e Sonia Godoy. A variedade de autores se reflete nos gêneros literários contemplados: poesias curtas, haicais, tankas, trovas, poemas-minuto, micropoemas, poetrix, pensamentos e reflexões.

Feita a escolha do autor, cabe ao leitor definir em que formato deseja receber a obra dele. São três opções: celulivros coletânea (textos já publicados: você adquire determinada obra e recebe os textos durante um período pré-definido); celulivros inéditos (textos inéditos, recebidos por um período pré-definido) ou celulivros sem fim (textos inéditos, contratados por meio de assinatura mensal que pode ser renovada indefinidamente). Em seguida, preenche alguns dados, emite um boleto bancário e começa a receber os textos, a partir do primeiro dia útil após a confirmação do pagamento.

Da mesma maneira que acontece quando se baixa uma música ou uma imagem no celular, esse é um serviço pago, mas nada exorbitante. Os preços variam de R$ 17,45 (pacote mensal) a R$ 137,63 (anual). No caso de celulivro coletânea, a assinatura só pode ser feita a partir do pacote de 45 dias, a R$ 22,83. Os escritores recebem 10% de direitos autorais sobre celulivro vendido. "Essa obra fica inédita por 60 dias, depois eles podem publicá-la em outros lugares", afirma o idealizador. "Até fevereiro, a idéia é aumentar o número de autores para 40 e, a partir de março, incluir o trabalho de um autor desconhecido todo mês."

CURTOS
Segundo Mendonça, o projeto é inédito na América Latina e compatível com praticamente todas as operadoras de telefonia móvel do Brasil, desde que o aparelho do solicitante tenha recurso de recebimento de textos Short Message Service (SMS). Por isso é que os textos são tão curtos, já que se trata de uma tecnologia que só permite trabalhar até 140 caracteres. Assim, você pode receber uma Alice Ruiz brevíssima: "Quase cheia/ quase não fecho a porta/lua de outono." Ou haicais de Domingos Pellegrini, do tipo: "Velho ano novo, por que/ todo ano dás ao povo/tanta esperança de novo/se vais logo envelhecer?"

A engenheira e arquiteta Kattia Basile, de 40, se interessou pela obra de Beto Quelhas, um dos autores que participa do projeto, justamente por fazer "poesia simples, rápida e emocionante". "No momento em que recebo o texto, percebo que está na hora de dar um break e relaxar", diz. "Poesia é bom de parar e divagar." Kattia, que ficou sabendo desse tipo de serviço conversando com amigos na internet, planeja dar de presente de aniversário para sua amiga uma assinatura dessas.

A administradora Gisela Vivan, de 30, já foi presenteada – por uma amiga da tia, que a conhece há muito tempo. "Achei interessante, porque sai do lugar comum do celular. A gente costuma receber coisas que não queremos e, desta forma, temos oportunidade de receber textos inspiradores." A previsão é de que, a partir da próxima semana, o Celuler disponibilize microcontos e microcrônicas.


Originalmente publicado em:

Estado de São Paulo

São Paulo, 01 de dezembro de 2004